quarta-feira, 1 de agosto de 2018

STF DISCUTIRÁ A DESCRIMINALIZACAO DO ABORTO

Entre os dias 3 e 6 de agosto a descriminalização do aborto será debatida no Supremo Tribunal Federal. As audiências foram convocadas pela ministra Rosa Weber devido à ADPF 442, movida pelo PSOL, que pede a exclusão dos artigos 124 e 126 do Código Penal. Esses artigos tratam sobre a criminalização e a pena para a pessoa que comete o aborto em si mesma e para a pessoa que realiza o aborto em outra. As penas atuais são de 1 a 3 anos e 1 a 4 anos, respectivamente. 

Recentemente, as mulheres de diversos países têm travado luta contra a prática patriarcal de controle dos corpos e vidas femininos. Na Polônia, milhares de mulheres organizaram uma greve para parar um projeto de restrição do aborto. Na Irlanda, a descriminalização foi conquistada através de histórica votação popular e, na Argentina, através de votação na Câmara de Deputados, que agora segue para o Senado. O Brasil, mesmo com suas proporções continentais e alta quantidade de mulheres afetadas, está relativamente atrasado nesta questão, haja vista que o misógino Estatuto do Nascituro, que sugere a criminalização do aborto em todo e qualquer caso, ainda tramita em Brasília. 

Em 2016, a Anis Instituto de Bioética e a Universidade Federal de Brasília realizaram um estudo sobre o aborto no Brasil, utilizando a mesma metodologia de estudo já realizado em 2010. Os dados mostraram que aos 40 anos, uma em cada 5 mulheres brasileiras já teria realizado um aborto e que os casos ocorrem em média 500 mil vezes por ano. Considerando a subnotificação decorrente da ilegalidade, podemos assumir que a questão do aborto é um dos principais problemas de saúde pública do país, principalmente se compararmos com outros problemas bastante recorrentes, como os infartos, que ocorrem 300 mil vezes ao ano. 

Embora a pesquisa mostre que a prática seja comum entre todos os grupos sociais, ela não ocorre de forma homogênea, atingindo em maiores proporções mulheres de baixa escolaridade e renda, pretas, pardas e indígenas e a região nordeste do Brasil. Outro ponto relevante é a questão da saúde mental. É possível medir, com limitações, os atendimentos a pessoas que recorreram a um aborto e até mesmo os abortos clandestinos, através de pesquisa, porém as consequências psicológicas e psiquiátricas da realização ou da falta de possibilidade de realização de um procedimento que é amplamente associado à estigmatizarão, repressão da sexualidade, falta de autonomia e moral cristã são muito mais extensas e difíceis de mensurar, uma vez que a própria saúde mental ainda é preterida nos programas de saúde pública. 


(feminismo.org.br)

O número de instituições que se inscreveram para participar das audiências no STF ultrapassa a quarenta, entre elas estão a International Women’s Health Coalition (IWHC), que é ligada à ONU, além de universidades, organizações jurídicas, de direitos humanos e coletivos feministas. Ainda que a proposta seja muito bem defendida pelo partido proponente, especialistas e instituições que se voluntariaram para agregar ao debate, é extremamente importante que a sociedade civil se posicione a favor da descriminalização, com o intuito de haver real pressão popular a influenciar as decisões a serem tomadas. A tendência mundial é em direção à aceitação do aborto como parte da vida sexual da mulher, porém, no Brasil, contamos com o conservadorismo da ascensão das igrejas pentecostais e da bancada evangélica, que muito contribuem para a estagnação das pautas progressistas. É imprescindível que todos nós, coletivamente e individualmente, nos encarreguemos de chamar a atenção necessária a essa discussão tão importante que estará ocorrendo e que pode influenciar positivamente a vida de milhões de brasileiras, bem como somar ao processo de consolidação dos direitos das mulheres ao redor do mundo. 




Referências:





























domingo, 17 de junho de 2018

O Futebol e A Violência Doméstica


De acordo com um estudo realizado na Universidade de Lancaster, na Inglaterra, após jogos da seleção inglesa os casos de violência doméstica saltam em 26% quando a seleção ganha ou empata e em 38% quando a seleção perde. A pesquisa ainda mostra que nos dias após as partidas, há um aumento de 11% nos casos, comparando aos dias em que não há jogos. Na Copa de 2014, os jogadores da Costa Rica foram requisitados pelo seu governo para uma campanha emergencial contra a violência doméstica, devido ao alarmante aumento das agressões nos dias de jogo.

No Brasil, infelizmente ainda não existem pesquisas mais profundas sobre o tema, porém, um levantamento feito pelo Cadastro Nacional de Violência Doméstica revelou que no Rio de Janeiro o número de incidentes aumenta nos dias de partidas de futebol. É nítido também para as delegadas a relação entre os jogos e o aumento da ocorrência das agressões, como relatou Rosmary Corrêa, que chefiou por 5 anos a primeira Delegacia de Defesa da Mulher: "Pela minha experiência posso afirmar que a violência doméstica aumenta principalmente nos dias de clássicos, nos finais de semana".

O mesmo fenômeno foi encontrado em pesquisas nos Estados Unidos, onde o gatilho para a violência são as partidas de futebol estadunidense, que é um esporte diferente do futebol predominante na América e na Europa. Isso mostra que não é o esporte em si que proporciona um estado alterado em seus espectadores, mas sim, as características do esporte e o conjunto de valores e simbologias que ele traz consigo somados ao contexto social e cultural em que eles estão inseridos. Nestes dois casos, podemos citar a intensificação da rivalidade, da masculinidade e da violência.

No Brasil, o futebol, tanto prática como culto, faz parte da construção da masculinidade e é, ainda, ambiente predominantemente masculino, dos que amplamente perpetuam muitas das características dos estereótipos de gênero, responsáveis por diversas formas de discriminação. Os conceitos de manutenção da honra e de superioridade, da meritocracia e da exaltação da força física são importantes pontos de convergência entre o machismo e o futebol, que impulsionados pelo consumo de álcool, outras drogas e pela tensão das partidas, podem ter consequências negativas tanto entre os próprios homens, quanto para as mulheres. 




Além disso, a forte cultura do futebol no Brasil acaba por naturalizar comportamentos discriminatórios e agressivos além dos misóginos xingamentos e da musificação das mulheres. É costume entre as torcidas o uso de termos racistas e LGBTIfóbicos e o ódio ao time rival. O futebol obviamente não é pioneiro nem o único a agrupar e difundir um conjunto de práticas tóxicas, entretanto, sendo um movimento de massa, ele acaba por legitimar tais expressões negativas que já são presentes em muitas das outras áreas da vida da população e que vêm sendo enfrentadas devido a inviabilidade da sua continuidade. Sendo assim, não é surpreendente encontrar relação entre crimes de ódio e gênero relacionados a eventos que carregam tal conjunto de valores.

Por outro lado, além de permitir aos homens que extravasem sua raiva e violência indiscriminadamente, o ambiente do futebol também é propício para demonstrar energeticamente outras emoções e valores, como afeto, parceria, confiança, amor, paixão, dedicação, comprometimento, e também para chorar e para abraçar. Porém, isso tudo acontece de maneira direcionada a outros homens e ao clube, passando a ser visto como fraqueza se demonstrado em outras áreas da vida e para mulheres.

Existem medidas tidas como preventivas em relação ao combate à violência no meio esportivo, como a proibição de bebidas alcoólicas nos estádios e campanhas publicitárias sobre violência doméstica nos estádios e arredores. Embora haja relação entre consumo de álcool e violência doméstica, o conjunto de valores agressivos que transforma o futebol num símbolo, perde apenas um dos seus fatores com essa proibição. Vale ressaltar que o consumo de álcool intensifica a desinibição, autoconfiança e os estados emocionais e causa diminuição das capacidades de julgamento e controle. Isso significa que o consumo de bebidas alcoólicas não cria um comportamento, apenas dá proeminência ao conjunto de crenças latentes no imaginário da pessoa.

O futebol como expressão popular possui uma rica história no Brasil e em outros países, como no período da Ditadura Militar, quando os times de várzea, que eram uma das poucas associações permitidas pelo governo, se criavam como forma de resistência ao regime. Da mesma forma, muitas torcidas hoje em dia usam seus espaços para protestar contra o atual governo ilegítimo e contra as práticas machistas, racistas e imperialistas no futebol. Todavia, o esporte foi capitalizado ao extremo, transformado em uma espécie de mercado financeiro capaz de coisas desumanas para manter sua atratividade comercial e opera de forma que mantem a mentalidade patriarcal e colonialista. Devido a isso, as características violentas e elitistas do futebol devem ser, em primeiro lugar, reconhecidas e admitidas pelos seus fãs e, em segundo lugar, combatidas de formas mais diretas e revolucionárias. Se queremos a continuidade do futebol, nós teremos de mudá-lo, nós teremos que torná-lo humano novamente.


Referências:

http://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2017-11/agressoes-mulheres-no-rj-aumentam-nos-fins-de-semana-e-em-dias-de

http://www.cisa.org.br/artigo/229/alcool-sistema-nervoso-central.php

http://journals.sagepub.com/doi/abs/10.1177/0022427813494843

http://www.lancaster.ac.uk/news/articles/2014/world-cup-football-is-a-risk-factor-for-domestic-violence/

http://www.ludopedio.com.br/arquibancada/muito-alem-da-jabulani-o-futebol-e-as-violencias-contra-as-mulheres/

https://www.corinthians.com.br/corinthians-apoia-brasil-mulher-e-veste-camisa-todos-em-campo-no-combate-violencia-contra-mulher/

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3712874/

https://www.newstatesman.com/politics/sport/2016/07/what-does-it-mean-when-major-football-tournaments-increase-incidents-domestic

https://www1.folha.uol.com.br/esporte/folhanacopa/2014/07/1480425-vitorias-da-costa-rica-aumentam-violencia-domestica-e-jogadores-fazem-campanha.shtml

sábado, 2 de junho de 2018


A HISTÓRIA DO VOTO FEMININO NO BRASIL



Durante a primeira Constituinte Republicana, em 1890, Costa Machado, deputado da bancada de Minas Gerais, foi o único a sugerir o direito ao voto para as mulheres, fossem solteiras ou casadas, sob o argumento de que se o sufrágio é universal pela democracia republicana, deveria competir tanto aos homens quanto às mulheres. Outros deputados também sugeriram a emenda, porem limitando o direito apenas às mulheres que não estivessem sob o “poder do marido ou pai”. Após não conseguir discursar sobre o a pauta na tribuna, Machado protestou: “apesar de estar inscrito, deixo de falar sobre o assunto de mais grandeza e de mais interesse que tem aparecido na Constituinte – a igualdade do ato civil da mulher ao homem – questão máxima e da maior transcendência”. Ele e os outros deputados favoráveis ao voto feminino foram tratados com desdém e o tema como gozação.

Nenhuma das emendas que envolviam o sufrágio feminino foi aprovada e nem sequer propriamente discutida pela Constituinte. Um dos pronunciamentos em contrário foi que “essa aspiração se afigura imoral e anárquica. No dia em que a convertêssemos em lei, teríamos decretado a dissolução da família brasileira” (Moniz Freire, representante do ES). O texto aprovado ainda excluía mendigos, analfabetos, soldados e religiosos de ordens monásticas.

Além de Costa Machado, outros deputados apresentaram projetos semelhantes nos anos posteriores, como Mauricio Lacerda, em 1917, Chermont, em 1919, e Juvenal Lamartine, em 1921. Porém, o voto e a candidatura femininos no Brasil seriam transformados em lei apenas em 1932, fruto também da iniciativa organizada da professora Leolinda Daltro, que fundou o Partido Republicano Feminino, em 1910, e de Bertha Lutz, que fundou a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, em 1919, com o objetivo de ressuscitar no Congresso Nacional o debate sobre o voto da mulher e as demais desigualdades entre os gêneros. Todavia, o direito ainda era limitado a mulheres que possuíam renda própria. Nas eleições para a Assembleia Constituinte de 1933, foi eleita apenas 1 mulher, Carlota Pereira, dentre 214 legisladores. Daí em diante o percentual de mulheres entre os deputados foi em média apenas 0,6% até 1987. O voto feminino se tornou obrigatório somente na Constituição de 1946, exceto para mulheres que não possuíam renda própria, ou seja, as mulheres casadas ainda eram impedidas de votar. A igualdade total do direito ao voto entre homens e mulheres se deu apenas com o Código Eleitoral de 1965. 



Mesmo com a introdução das mulheres ao eleitorado brasileiro, a impossibilidade de os analfabetos votarem foi um dos fatores para que o número de eleitoras não chegasse a 50% do total, já que a restrição do acesso à educação para as mulheres gerava um numero maior de analfabetas em relação aos homens. Tal desigualdade foi denunciada ainda em 1832 por Nísia Floresta, com a publicação do artigo “Direitos das Mulheres e Injustiças dos Homes”. A escritora também realizou conferências defendendo a emancipação das pessoas escravizadas, a liberdade de culto e a república democrática. A proibição do acesso ao voto para pessoas analfabetas foi derrubada com uma Emenda Constitucional somente em 1985, com o fim da ditadura militar.

Embora atualmente todas as mulheres brasileiras adultas tenham direito ao voto, o percentual de candidaturas femininas ainda é muito menor em relação às masculinas. O Brasil ocupa o 161º lugar de 186 países no ranking de representatividade feminina no poder executivo. Temos no mandato corrente apenas uma mulher como governadora, 10% de prefeitas e 11,2% de mulheres no congresso. A democracia representativa burguesa não contempla de fato os interesses da população, sendo que a grande maioria dos representantes que se candidatam e são eleitos são homens, brancos e de classe média. A histórica falta de estimulo à participação dos proletários mulheres e homens na política e na produção intelectual deixou marcas negativas inegáveis na nossa sociedade. A luta pela ocupação de espaços e pelo reconhecimento de direitos deve continuar ativa, ate o vislumbrado dia em que já não façam mais sentido.



AFLALO, Hannah Maruci. Conquistas e Percalços na Luta pelo Voto Feminino no Brasil, 2017.

ANAIS do Congresso Constituinte da República. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, vol. 1, 1924.

ANAIS do Congresso Constituinte da República. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, vol. 2, 1926.

KARAWEJCZYK, Monica. O Voto Feminino no Congresso Constituinte de 1891: Primeiros Trâmites Legais, 2011.

http://www2.camara.leg.br/

http://www.tse.jus.br/eleitor/glossario/termos/voto-da-mulher

http://politica.estadao.com.br/blogs/legis-ativo/a-participacao-das-mulheres-na-politica-no-brasil-o-direito-de-votar-de-sermos-representadas-e-de-participar-da-tomada-de-decisao/

https://super.abril.com.br/comportamento/brasil-tem-menos-mulheres-na-politica-que-o-afeganistao/

http://www.politize.com.br/conquista-do-direito-ao-voto-feminino/

https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2016/11/04/por-100-anos-analfabeto-foi-proibido-de-votar-no-brasil

http://www.cmc.pr.gov.br/ass_det.php?not=24300#&panel1-1

https://brasil.elpais.com/brasil/2018/03/27/politica/1522181037_867961.html