sexta-feira, 28 de junho de 2019

SEM LIBERDADE PARA TODAS, ORGULHO PARA NENHUMA! 50 ANOS DE STONEWALL

Em 1969, ocorreu a marcante revolta de Stonewall nos Estados Unidos, protagonizada por travestis e mulheres transexuais, contra a violência e humilhações investidas população LGBT. Porém, no Brasil, a Ditadura Civil-Militar Brasileira e sua AI-5 abafaram consideravelmente qualquer movimento social, inclusive o movimento LGBT que estava insurgindo mundo a fora. 

O jornal Lampião da Esquina, de mídia alternativa, que falava sobre organização política e social da resistência e das comunidades LGBT, foi um dos que teve vários de seus jornalistas presos e perseguidos. Além disso, devido à censura, pouco material sobre o assunto entrava ou circulava no país, dificultando a criação e organização do movimento. 

Ele só começa a ganhar corpo com a criação do Grupo Somos - Grupo de Afirmação Homossexual, em 1978. Em 1980 o grupo passa a se aliar aos sindicatos, e ocorre a primeira marcha em defesa dos trabalhadores e homossexuais, em São Paulo. O Grupo Somos se dissolveu após 3 anos, mas abriu caminho para que outras organizações em prol da comunidade LGBT fossem criadas. 




Nessas décadas de luta, enfrentamos enorme preconceito devido ao estigma do HIV e aos mitos da promiscuidade e do desvio moral. Entretanto, mais recentemente, conquistamos alguns direitos institucionais, como o casamento, o nome social, a cirurgia de redesignação sexual pelo SUS e até mesmo representatividade nas mais variadas esferas. Porém, nossa sociedade continua estruturalmente misógina, patriarcal, racista e, portanto, inclinada a não enxergar nossa comunidade como um grupo social legitimo e sim como mão de obra barata e um mercado a ser atingido. 

Vivemos hoje, um estado crônico de precarização. A crise brasileira, de caráter político, econômico e social, tem formado um cenário ainda mais sombrio para nós. Com um congresso extremamente conservador, nossos direitos já conquistados estão ameaçados e corremos risco de ter nossas, já fracas, relações de trabalho ainda mais precarizadas. 

A reforma da previdência, caso seja aprovada, vai agravar ainda mais o distanciamento da população LGBT dos direitos previdenciários básicos. População essa, que já sente os impactos da reforma trabalhista e da ampliação das terceirizações, sendo a primeira identidade populacional em números de trabalho informal e precarização nas relações de trabalho. 

Entendemos que a realidade da população LGBT+ ainda está longe de ser aceitável, então esta não é uma data a ser simplesmente comemorada e, sim, marcada como mais um dia de luta no combate à LGBTfobia e na busca por uma sociedade emancipada. Fazemos nossa a frase de Marsha Johnson, militante pelas travestis em situação de rua nos EUA: “Nenhum orgulho para alguns de nós, sem a liberdade para todos nós.” 





Referências: 

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

APENAS 3 PARLAMENTARES MULHERES ENTRE OS 60 PROPONENTES DA PEC DO ABORTO

O Senador Eduardo Girão (PODEMOS) chefiou esse mês a solicitação do desengavetamento da PEC 29/2015, de Magno Malta (Partido da República) e outros, que propõe a proibição do aborto através da alteração do Artigo Quinto da Constituição Federal, visando conferir a inviolabilidade do direito à vida desde a concepção. A proposta não é novidade na casa, que também engavetou o misógino Estatuto do Nascituro (PL 478/2007), entre outras pastas que se referem à proibição do aborto e à extensão da sua criminalização. 

Como já era esperado, o corrente mandato do presidente conservador Jair Bolsonaro vem sendo uma ameaça aos direitos já conquistados pela população brasileira. O grande número de parlamentares ligados a igrejas conservadoras representa risco ainda maior aos direitos das mulheres e LGBTs. A tentativa de imposição da moral cristã e patriarcal é nítida, sendo que tanto o senador proponente da PEC quanto o senador que solicitou seu desarquivamento são homens. Somando as duas solicitações, a proposta conta com 60 autores, entre eles apenas 3 mulheres! 

Pesquisa recente divulgada pela Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia aponta que 7 em 10 brasileiras acreditam que a decisão sobre a interrupção da gravidez cabe apenas à mulher. No próprio site do Senado, a enquete sobre a pauta mostra que 70% dos cidadãos que votaram são contra a proposta, que silenciosamente pretende retirar o direito ao aborto nos três casos já permitidos no Brasil: estupro, risco de morte da mulher ou feto com anencefalia. 

O líder do PT no Senado, Humberto Costa, solicitou a retirada da pauta, porém a solicitação foi derrotada por 61 votos a 8. As questões que historicamente são enquadradas como morais, como as que envolvem a sexualidade, normalmente são mais polêmicas e dividem até mesmo as bancadas que se dizem progressistas. Por esse motivo, a parte proponente, que compõe maioria sólida, está em vantagem e tende a passar o projeto, que provavelmente conta com o apoio do presidente inquestionavelmente misógino. 

Sendo assim, é imprescindível que além do debate legislativo, as mulheres e a população em geral se manifestem amplamente contra essa proposta de retirada desse direito restrito e também reivindiquem a totalidade do direito ao aborto, que nesse caso seria a sua descriminalização e regulamentação como procedimento oferecido pelo Sistema Único de Saúde e também pela iniciativa privada. 


Imagem: catarinas.info


A atribuição de pessoalidade ao feto e a sacralização da vida são conceitos que, embora sejam bastante sedutores e se confundam com princípios dos direitos humanos, na verdade perpetuam a dinâmica patriarcal. A sociedade em que vivemos ainda não superou as desigualdades de gênero, especialmente em relação à violência sexual e doméstica e a responsabilidade paterna, assim como não possui, através do Estado, medidas assistenciais suficientes para a mulher e para a criança. Desse modo, a mulher sob essa nova lei seria uma espécie de incubadora, sem autonomia sobre a própria vida, completamente coisificada, mantida sob controle, como cidadã de segunda classe, escrava do Estado e sujeita, a qualquer tempo, a uma gravidez compulsória. 

Qualquer medida que altere a ordem social, como a mudança ou criação de uma lei, deve trazer um benefício maior do que as perdas que ela promove ou do que o benefício anterior. Nesse sentido a PEC 29/2015 falha, pois ela na verdade não amplia os direitos do nascituro, os quais já estão previstos no artigo 2º do Código Civil de 2002, no artigo 7º da lei 8560/1992, nos artigos 877 e 878 do Código de Processo Civil e nos artigos 7º e 8º do Estatuto da Criança e do Adolescente. 

Ao contrário, essa proposta de emenda constitucional desconsidera que a cada 2 dias uma mulher morre devido a complicações decorrentes de aborto clandestino no Brasil e que essas mulheres, em sua maioria, possuem baixa renda e escolaridade, normalmente sendo privadas do acesso aos seus direitos básicos garantidos pela Constituição. 

Numa sociedade racista e de classes segregadas como a nossa, as mulheres ricas possuem condições econômicas e podem procurar atendimento médico especializado e privado para realizar um aborto, sem sofrer as sanções previstas em lei por isso, enquanto as mulheres pobres e negras padecem, seja nas clínicas clandestinas, na precariedade do atendimento médico público, na penalização desproporcional ou na solidão da maternidade. Uma proposta como essa não somente não acabaria com os abortos que já acontecem, como também potencializaria os abortos clandestinos, o preconceito contra as mulheres e o poder punitivista do Estado. A alteração do conceito constitucional de vida não tem a intenção de neutralizar, ela tem a intenção de atingir, e ela escolhe uma classe, um gênero e uma cor. 




Referências: