sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017







O legado e engajamento de Patrícia Galvão
(1910-1962).

Pagu nasceu em 09 de junho de 1910, terceira filha de uma família de São João da Boa Vista, interior de São Paulo. O apelido Pagu surgiu de um equívoco de Raul Bopp, que ao lhe escrever um poema acreditava que seu nome era Patrícia Goulart originando o apelido do início dos dois nomes. O poeta a introduziu no círculo dos modernistas apresentando-a ao casal Tarsila do Amaral e Oswald de Andrade, que logo viraram seus tutores.
Pagu tem os olhos moles
uns olhos de fazer doer.
Bate-côco quando passa.
Coração pega a bater.


Eh Pagu eh!
Dói porque é bom de fazer doer.


Passa e me puxa com os olhos
provocantissimamente.
Mexe-mexe bamboleia
pra mexer com toda a gente.


Eli Pagu eh!
Dói porque é bom de fazer doer.


Toda a gente fica olhando
o seu corpinho de vai-e-vem
umbilical e molengo
de não-sei-o-que-é-que-tem.


Eh Pagu eh!
Dói porque é bom de fazer doer.


Quero porque te quero
Nas formas do bem-querer.
Querzinho de ficar junto
que é bom de fazer doer.


Eh Pagu eh!
Dói porque é bom de fazer doer.
Raul Bopp (1898 - 1984)
A atividade artística de Pagu data de seus 15 anos com as contribuições para o Brás Jornal, escritos com o pseudônimo de Patsy. Já a história de Pagu, no movimento modernista, começou aos 18 anos, quando começou a frequentar o ambiente do movimento de antropofagia.


Ela estreou com seus desenhos na Revista da Antropofagia – 2ª dentição – veiculada como página especial do jornal “Diário de São Paulo”.  A 2ª dentição foi conhecida como a fase mais revolucionária da revista, mas devido a protestos de leitores do jornal, indignados com a irreverência da publicação, a fase heroica antropofágica durou apenas cinco meses. Os outros trabalhos de Pagu, realizados nesse período modernista (março de 1928 a 1930), nunca foram encontrados.
Desde a fundação do Partido Comunista Brasileiro em 1922, o clima de revolta e insatisfação pôde ser sentido entre os intelectuais de esquerda e os trabalhadores urbanos. As teorias marxistas iam ganhando a simpatia de muitos intelectuais, o que aconteceu com Pagu nos primeiros anos da década de 30.
Poucos meses depois do nascimento de seu primeiro filho, do casamento com Oswald de Andrade, em uma viagem a Buenos Aires, Pagu recebe a missão de entregar uma carta a Luís Carlos Prestes. Ela não o encontra, mas mesmo assim é apresentada ao marxismo através do companheiro do Cavaleiro da Esperança, Silo Meireles. Ela retorna ao Brasil com vários livros e panfletos comunistas. Em sua autobiografia, Galvão relata como foi o encontro:
“Depois de muito tempo, recebi a visita de Silo Meireles. Prestes não tinha ainda regressado e tardaria em fazê-lo, pois aceitara um contrato de trabalho numa estrada de ferro do interior. Silo apareceu com Garrigorri, um comunista argentino, e uma infinidade de folhetos de propaganda do partido. Conversamos algumas horas e o assunto me interessou. Senti que minha curiosidade se animava. Quis saber mais. Conhecer mais. Marcamos um encontro para o dia seguinte. Nessa mesma noite, recebi o telegrama de Oswald, me chamando. Rudá doente outra vez. A passagem já estava comprada. Embarquei com uma vasta bagagem de livros marxistas e tudo que havia de material editado nos últimos tempos pelo Partido Comunista Argentino”. (GALVÃO, 2005, p. 73)
Como militante comunista, ela participou do comício dos estivadores em Santos em 1931. Pagu foi presa pela polícia política de Getúlio Vargas, dando-lhe o título de primeira mulher a ser presa por motivos políticos no Brasil. O Partido Comunista a obriga a declarar-se uma “agitadora individual, sensacionalista e inexperiente”. Foi a primeira de 23 prisões que teve ao longo de sua vida.
Além dessa, Pagu sofre uma série de provocações impostas pelo partido, tendo abandonado, quase por completo, sua família em virtude da causa social e da proletarização demandada pelo partido. Após algumas prisões e decepções, ela resolve viajar pelo mundo como correspondente de jornais do Rio de Janeiro e São Paulo. O filho Rudá fica com o pai durante a viagem, que teve a duração de quase três anos.
A longa viagem de Patrícia teve várias paradas. Ela permanece um mês nos Estados Unidos, onde visita Nova Orleans, Galveston e Los Angeles. Parte para o oriente e vai a Kobe, no Japão, onde então morava o velho amigo Raul Bopp. Viaja para Xangai e Manchúria, onde é a única jornalista latino-americana a assistir a coroação do imperador Pu Yi e onde obtém as primeiras sementes de soja trazidas e plantadas no Brasil, tornando-se uma de suas introdutoras no país.
Conhece a miséria da China, que a marca profundamente. Parte, através da estrada de ferro Transiberiana, para Moscou. A realidade da URSS a decepciona, escreve a Oswald de Andrade: “Gente pobre nas ruas e luxo para os burocratas” (1932). E decide partir para Paris.
Na França, estuda na Université Populaire, matriculando-se nos cursos de Economia Política, Materialismo Histórico, Matemática e Eletricidade Teoria e Prática. Trabalha como tradutora para os estúdios da Billancourt e é redatora do L’Avant-Garde. Participa de movimentos de rua, milita com o pseudônimo de Leonnie. Foi presa em Paris e quase deportada para a Alemanha nazista.
Chega ao Brasil em 1935, onde fica detida por quatro anos, sofrendo as torturas destinadas aos presos políticos. É libertada em julho de 1940, debilitada e traumatizada. No mesmo ano, casa com Geraldo Ferraz, jornalista e crítico de arte, amigos desde os tempos da Revista de Antropofagia. Este seria seu companheiro até o final da vida e com ele tem seu segundo filho: o também jornalista Geraldo Galvão Ferraz.
Fruto da vivência proletária e partidária dessa época, escreve em 1933, o livro Parque Industrial, estampado com o pseudônimo de Mara Lobo. O desencanto com a vida na cidade de São Paulo e a crítica social de Pagu é visível em sua publicação Parque Industrial (1933). A personagem Eleonora, moradora do Brás, ascende socialmente após o casamento com o burguês Alfredo Rocha e passa a frequentar as festas oferecidas pela sociedade intelectual paulistana:
“A burguesia combina romances medíocres. Piadas deslizam do fundo dos almofadões. Saem dos arrotos de champanhe caro. O caviar estala nos dentes obturados.
Da parede central, um Chirico trágico espia sem olho a espádua nua que Patou despiu no vestido da anfitriã.
Dona Finoca, velhota protetora das artes novas, sofre os galanteios de meia dúzia de principiantes.
- Como não hei de ser comunista, se sou moderna?
Os smokings brancos se aprumam na noite tropical, empalidecendo os topázios dos punhos de seda.
Nos jardins, os cônjuges se trocam. É o “culto da vida”, na casa mais moderna e mais livre do Brasil. Ninguém vê o “conde verde”.” (GALVÃO, 1994, p.37)  
Seus personagens são quase todos mulheres: as moças das fábricas e do ateliê de costura, militantes do PC. Os homens são geralmente seus espancadores, delatores e sedutores.
A obra, escrita quando tinha apenas 22 anos, reflete sua solidariedade com o proletariado do Brás e além de ser uma obra legitimamente modernista, ela aborda as relações de opressão de classe e gênero. Ela faz a ligação entre exploração econômica do proletariado e exploração sexual das mulheres, ressaltando a mulher proletária como a de piores condições de vida.
Resgatar a identidade de Patrícia Galvão, representa a memória nacional de uma mulher muitas vezes esquecida ou apenas lembrada como a musa do modernismo. Pagu representava duas faces legítimas de uma mesma mulher: a influenciada por Oswald, festejada entre os modernistas, e a transgressora, que incomodava a sociedade.

O feminismo de Patrícia Galvão inova, tem outra inclinação: levar a ruptura ao sistema social opressor. Pagu foi uma das primeiras feministas brasileiras a tocar na questão do feminismo classista e por isso tem destaque na luta pela emancipação de gênero. A sua identificação com a luta de classes e as questões de gênero, far-nos-á entender seus sonhos e ideais. Uma mulher que abandonou o modelo estabelecido, de esposa e mãe, em busca de superar os conflitos da sociedade.

GALVÃO, Patrícia. Parque Industrial, São Paulo: EDUFSCAR, 1994
______________, Paixão Pagu. Rio de Janeiro: Agir, 2005.



#Marina Ginestá

terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

O que é luta de classes? Qual a relação com o feminismo?



C:\Users\Usuario\Desktop\cristiana\fotos\Congresso Internacional das Mulheres, Suryaninov, 1963.jpg
Cartaz do Congresso Internacional das Mulheres em 1963




    Desde o início da história da sociedade, existem os que exploram e os que são explorados e oprimidos. A exploração existe porque há uma minoria que detém os meios de produção, e nas relações de trabalho ela se manifesta, pois é a classe explorada quem produz, mas não retém o valor justo em troca da sua força de trabalho. Durante o colonialismo houve o período da escravidão, onde escravos tudo produziam, mas não viam qualquer retorno do seu trabalho por serem considerados como propriedades. Aí que entra a questão feminina.

   Desde que surgiu o patriarcado, cerca de cinco mil anos atrás, a mulher passou a ser considerada propriedade privada do homem, mesmo a mulher burguesa. A mulher era propriedade do pai, que por sua vez usava a filha mulher como moeda de troca, entregava em casamento para alguém e com isso, esse homem, seu marido, passava a ser seu novo proprietário.  Segundo August Bebel (socialista utópico que já levantava as questões da emancipação feminina), a mulher era escrava quando ainda nem existia escravidão, Engels faz uma analogia da exploração feminina com as questões de classe, dizendo que o antagonismo de classe pode ser observado na exploração da mulher pelo homem, os papéis de gênero foram ao longo dos anos reforçados baseados nas premissas patriarcais, mulher serva e submissa ao macho seu proprietário, a religião fez questão de reforçar esses papéis, como bem analisou Saffioti, em A mulher na sociedade de classes, sua obra prima, em acordo com Beauvoir em o Segundo Sexo.

  Em paralelo a história da mulher burguesa, existia a mulher serva, que sempre esteve ali no papel secundário, que foi primeiramente, oprimida pelo gênero e depois, pela classe. A mulher que já nasceu na classe explorada, desde o início era serva, servia a mulher burguesa e ao homem burguês, através do trabalho doméstico, na lavoura e como produto sexual, sendo obrigada a servir ao senhor quando ele bem entendia e como reprodutora de mais “mão de obra”. Enquanto a mulher burguesa lutou pelo direito a propriedade privada, não deixou de existir a relação patroa x serva, observado até hoje, inteiramente ligado as questões de raça na sociedade brasileira.
  Não é intenção desse texto, criar um antagonismo ou desconforto entre mulheres, mas esse acirramento já existe, se o gênero nos une, a classe nos separa. Primeiro é preciso entender o que é uma mulher burguesa. Quando se fala em mulher burguesa, se tem a noção rasa de que se trata de uma mulher proletária que contrata uma empregada pra lhe auxiliar enquanto ela sai pra trabalhar, da dona de uma lojinha de roupa na esquina, da cabeleireira que tem um salãozinho no bairro, esse é um conceito errado. A mulher burguesa assim como o homem burguês, é quem detém meios de produção, como grandes latifundiárias, proprietárias de banco, grandes governantes de extrema esquerda que não pensam duas vezes em dificultar a vida de mulheres e homens trabalhadores. Podemos usar Margareth Thatcher como um exemplo, uma mulher que tomou medidas de austeridade, terceirizou o trabalho no Reino Unido, flexibilizou leis trabalhistas, o que causou grande sofrimento pra toda classe trabalhadora durante o seu governo, beneficiando apenas grandes empresários que já eram milionários.
  Não tem como romper com toda a exploração de gênero sem antes romper com a exploração de classes. São questões entrelaçadas, vemos hoje o feminismo liberal ganhando espaço no capitalismo, por ser uma luta que não possui pretensão na emancipação real feminina, apenas econômica de caráter meritocrático, com a idéia de que se uma mulher consegue e a outra não, é apenas questão de livre escolha, como se o sistema capitalista permitisse que as mulheres de todas as raças e classes tivessem as mesmas oportunidades.
  Luta de classes compreende em romper com todas as desigualdades sociais, isso inclui a luta contra o racismo, lgbtfobia, machismo, sexismo, e todo tipo de opressão. Entende-se a necessidade de entralaçar as causas, não sucumbir ao apelo pós-moderno e liberal em satisfazer-se apenas com a representatividade burguesa.
  É necessário deixar claro dois pontos, a esquerda marxista precisa compreender que os movimentos de minorias no Brasil são também compostos por membros da classe trabalhadora, assim como as minorias precisam compreender que não se vence esse sistema fora da luta classista, já temos provas suficientes de que o sectarismo não deu certo. Nós, mulheres somos maioria na classe trabalhadora e não há emancipação verdadeira pra nós dentro desse sistema, se contentar com publicidade em empresa de cosméticos é ilusório.

#Khaleesi

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017






Foto capturada durante a marcha contra a pl 5069 


Qual o caminho para o Feminismo no Brasil?



Um pouco da história


   O movimento feminista começou após a Revolução Francesa que pregava Liberdade, igualdade
e fraternidade, mas só para homens ricos. Mulheres, homens pobres e escravos continuavam sendo considerado indignos da cidadania, mulheres eram propriedade dos homens, consideradas por muitos como inferiores, muitas se puseram a luta pela igualdade e cidadania, buscando o sufrágio, direito ao aborto, igualdade salarial, a propriedade privada entre outras coisas. Uma luta que em sua maioria não contemplava as mulheres servas nem os escravos. Após a Revolução de Outubro o Socialismo se ascendeu, um novo movimento feminino surgiu liderado por uma revolucionária, Clara Zetkin, juntamente com Lênin, através dos estudos e análises de Marx e Engels, percebeu-se a importância de um movimento feminino pela causa proletária, que contemplasse aos oprimidos, as mulheres servas, trabalhadoras, da classe operária.



É preciso ir além


   Entende-se que mesmo sendo o socialismo uma necessidade para o estabelecimento da igualdade social, a análise de gênero é primordial para se entender as relações de poder dentro do patriarcado. A mulher, além da exploração econômica que sofre sendo da classe proletária, também é explorada por ser mulher, é vista como objeto, como propriedade do homem, serve com sua força de trabalho, porém também é vista como produto na exploração sexual, que no Brasil ocorre desde a colonização e escravidão. Os anos passaram e muitas camaradas deram a própria vida na luta, alguns avanços aconteceram, o sufrágio universal, direito ao aborto em alguns países, direito ao divórcio, leis como Maria da Penha e do Feminicídio. Porém no Brasil o direito ao aborto ainda é um tabu, mulheres ainda ganham menos e ocupam piores cargos, mesmo sendo maioria com cursos superiores, somos minoria no trabalho formal, e a questão de raça tem um peso extra, pois a mulher negra ainda tem menos oportunidades que a branca da mesma classe, ganha menos e sofre mais violência doméstica (essa questão não pode ser omitida). Não temos direito absoluto pelos nossos corpos, ainda somos maioria em subempregos, para que uma mulher saia para trabalhar é necessário que haja outra em casa para fazer “seu papel” nos trabalhos domésticos, quase sempre é a filha mais velha ou a empregada. Cumprimos dupla, tripla jornada, somos assassinadas de forma absurda pelos nossos companheiros, os abusos sexuais permanecem aumentando, somos cada vez mais objetificadas. A lista de pautas é imensa e não se vê outro caminho para a emancipação real da mulher de outra forma que não seja alinhado à luta de classes.



Então para onde vamos?


   É preciso entender que o Socialismo não é uma fábula mágica em que aparecerá uma fada e modificará as coisas ao redor com um simples truque. Mas é necessário primeiro zerar as desigualdades sociais que são o peso maior, pois alimentam as opressões. “Seria ilusório, entretanto, imaginar que a mera emancipação econômica da mulher fosse suficiente para libertá-la de todos os preconceitos que a discriminam socialmente. A realização histórica da sociedade de economia coletiva, tem mostrado, embora a emancipação econômica da mulher seja “sime qua non” de sua total libertação, não constitui em si mesma, esta libertação integral... Obviamente, a elaboração de legislação que não discrimine os sexos, quer na família, quer na política, quer ainda no setor cultural, quer nas situações de trabalho, como se fez na URSS (União Soviética) e na China, são fatores imprescindíveis à elevação social da mulher. A partir disso, contudo, é preciso que a sociedade se empenhe na eliminação de uma mentalidade habituada a promover a inferiorização, de fato, da mulher.” - Heleieth Saffioti

   Não há outro caminho, a não ser a luta de classes, para a vitória do feminismo. Mesmo que o gênero seja abolido e os papéis de gênero não existam mais, como luta algumas feministas, quem impedirá a mulher burguesa de explorar a mulher pobre? Quem impedirá mulheres da liderança imperialista de promover a destruição e abalar a vida de tantas mulheres no mundo? O capitalismo não criou as opressões, mas se alimenta de todas elas, somente superando o sistema de classes sustentado pelo capitalismo, poderemos ter uma vitória completa e emancipação real.

   É preciso maior união das mulheres e pavimentação de trabalho de base nas periferias, no campo, nas portas de fábricas, como muitas companheiras já vem fazendo em vários coletivos classistas no Brasil, o feminismo começa hoje ir além do que se vê nos programas globais e nãoexiste outro caminho real, resistiremos e venceremos!
   
  #Khaleesi