sábado, 11 de março de 2017



        

        O Radfem Analisado pelo Marxismo







Bom, esse é um texto introdutório sobre algumas perspectivas em relação ao Feminismo Radical, alguns tópicos aqui vão ser posteriormente estudados e especificados, para uma explicação mais acadêmica, com referências e fontes. Espero que gostem! :)


Sobre o Gênero



É preciso entender, primeiramente, que o gênero, mais necessariamente, a construção do gênero por divisão sexual do trabalho, não começou no patriarcado e sim antes dele. Em algumas sociedades, principalmente as de Caça e Coleta, a divisão do trabalho consistia em deixar os homens com a caça e as mulheres com a coleta. Para Saffioti, isso não consistia em desvalorizar o papel da mulher, pelo contrário, a autora diz o seguinte: “Enquanto a coleta é certa, acontecendo cotidianamente, a caça é incerta. Um grupo de homens pode voltar da caçada com um animal de grande ou médio porte, provendo as necessidades de seu grupo, como pode voltar sem nada. Logo, a atividade dos homens, realizada uma ou duas vezes por semana, não é confiável em termos de produto. Já a das mulheres lhes permite voltar a sua comunidade sempre com algumas raízes, folhas e frutos. A rigor, então, a sobrevivência da humanidade, felizmente variando no tempo e no espaço, com esta divisão sexual do trabalho (não se pode afirmar que todos os povos hajam passado pelo estágio da caça e coleta), foi assegurada pelo trabalho das mulheres.” Com isso, pode-se afirmar que o gênero nem sempre serviu a interesses patriarcais, apenas depois da construção do Patriarcado. Logo, o Patriarcado é o grande problema e o principal alvo. 
A maior prova disso é que a divisão sexual do trabalho está sendo suprimida em alguns países, mas mesmo assim o machismo ainda é muito presente. Se a divisão em si não é o problema, e sim a visão de que um sexo é inferior ao outro, então por que abolir as características sociais que circundam o sexo feminino acabaria com o problema? Se o problema central está na visão do sexo feminino em si, as características sociais que envolvem esse sexo biológico são secundárias e podem ser mudadas e reinventadas. Resumindo: você tira o gênero, mas não tira o Patriarcado, então ele vai se reinventar e achar outras maneiras para te oprimir. Poderia comparar, nesse caso, com o Capitalismo. Botamos direitos para os proletários, aumentamos a qualidade de vida, mas a exploração continua ali, reinventada e mascarada.


Sobre o Feminismo Radical versus o Marxismo



Para as Feministas Radicais, o gênero foi construído pelo patriarcado para estabelecer relações opressivas entre homens e mulheres, e por isso, gênero se constitui como uma classe, e essa vertente se denomina oriunda do marxismo / materialismo histórico-dialético, o que é falso. A diferença central é que na perspectiva radical a contradição central da sociedade é entre os gêneros, homem e mulher, na busca pela superação do "patriarcado". Ou seja, o grande inimigo do progresso da humanidade seria o homem e o agente emancipador, a mulher. O centro dessa perspectiva radical é a ideia de que a luta da mulher contra o homem deve ser o motor da libertação social. É meio evidente como isso contraria diretamente o marxismo e qualquer tentativa de fusão é como misturar água e óleo. Pois o marxismo parte, primeiro, não de uma categoria quase supra-histórica, como a ideia de patriarcado, como fator determinante da configuração social, mas sim o de modo de produção (não que um seja contraditório ao outro - não é - mas me parece ser questão de grau de importância e determinação de cada um). E, segundo, o conflito social que é o motor da história para o marxismo é a luta entre as classes. Como está escrito no Manifesto Comunista: "plebeus contra patrícios; escravos contra senhores; servos contra barões; proletários contra burgueses". Para o marxismo, a luta da classe trabalhadora contra a burguesia é a contradição capaz de alavancar a libertação social. O fundamento da concepção marxista de classe é a relação com a propriedade e a posição no processo produtivo. Uma mulher ou um homem pode ter mais ou menos propriedade. Apesar do machismo facilitar para homens e dificultar para mulheres esse acesso, não existe nada que, em si mesmo, coloque a mulher ou o homem numa posição distinta diante da propriedade. E a teoria de classes sociais no marxismo não possui função meramente contemplativa; em busca de um "ser ou não ser" classe. Mas está subsidiada ao entendimento da história de forma a fornecer estimativas e potencialidades que permitam a intervenção no processo histórico.

                                            

Sobre Transexualidade e Socialização



Primeiro é necessário desmistificar a ideia de que transexualidade está associada a Teoria Queer ou algum teórico específico. A transexualidade não foi inventada por nenhuma teoria, ela é um fenômeno social que está presente em todas as classes sociais e que pode ser estudado por qualquer tipo de teoria, por qualquer vertente. É um fenômeno reconhecido pela ciência, embora os estudos ainda sejam escassos para nos dar certeza de sua origem. O que é de conhecimento geral hoje é que as pessoas trans se ajustam culturalmente ao gênero por que é a única forma de aceitação social presente no momento e que elas mudam seu sexo para se adequar a isso. Os dados que temos é que existe mais mulheres transexuais do que homens transexuais, e que é uma proporção de 1% a 2% no mundo inteiro. Embora seja muito pouco, é um número significativo.
Ok, o que isso tudo significa? É que, embora seja algo relativamente novo de ser estudado e seja um pequeno número, pessoas transexuais são alvo da visão patriarcal que nossa sociedade tem, e os dados estatísticos nos provam isso. Essa população, principalmente as mulheres trans, estão fadadas a prostituição e a uma expectativa de vida baixíssima, mais baixa do que as consideradas mulheres cis. Tudo isso em um mesmo país. Uma visão verdadeiramente materialista da transexualidade é considerar que, independentemente da visão biológica de que essas pessoas naturalmente pertencem a um outro sexo quando nasceram, elas mudam seu sexo e procuram se adequar a ele em termos sociais e de gênero, e que considerar que essas pessoas são sim mulheres e merecem direitos de nada atrapalha o entendimento de que o gênero moldado pelo Patriarcado é sim opressivo, pelo contrário, é confirmar ainda mais isso, visto que essas pessoas, estruturalmente, estão em uma condição de opressão preocupante. Falar nisso não é falar em “privilégio cis”, até porque a palavra “privilégio” é mal utilizada e não cabe aos estudos sociológicos sérios, falar nisso é apenas conhecer que o Patriarcado é uma hidra de várias cabeças e age de diversas maneiras complexas, não só através do gênero, mas da transexualidade e da homossexualidade também. 
Mas e a socialização? Bom, a socialização existe, mas não é uma caixinha bônus que você recebe ao nascer homem, ou ao nascer com a pele branca, é algo que as relações vão moldando e dinamizando, é uma relação dialética. Resumindo: você nascer com duas ou três caixinhas bônus (homem, hetero e branco) não te faz ter vantagens muito maiores se você nasce em uma classe extremamente pobre, então você mal vai usufruir da sua caixinha, ou nem vai, pois vai morrer antes de ter qualquer oportunidade melhor. No caso das mulheres trans, é a mesma coisa. Elas de fato nasceram com um pênis, porém suas relações com a sociedade, família e demais dinâmicas não dão qualquer vantagem, pelo contrário, a bota em um grupo minoritário mais marginalizado ainda.


Sobre o lugar das Transexuais na militância



Com a popularização da militância nas redes sociais, foram criando esses tais “espaços exclusivos” e os tais “vales das minorias” que não passam de lugares metafóricos e sem sentido. 
Uma questão trazida pelas Feministas Radicais é que as mulheres trans precisam de outro espaço para discutir suas pautas, o que não faz nenhum sentido prático. Se eu quero criar uma pauta para discussão e quero apenas pessoas contempladas por aquelas pautas, isso vai envolver muito mais que uma questão apenas de cis e trans. Por exemplo: se eu quero falar de Violência Obstétrica para pessoas grávidas, eu procurarei apenas mulheres grávidas, isso quer dizer que mesmo as mulheres que nasceram com o sexo feminino e são férteis estarão de fora da minha discussão se elas não estiverem grávidas. Se eu quero discutir estupro apenas com pessoas que foram estupradas, isso também vai incluir as mulheres trans. Enfim, existe uma infinidade de estudos e pautas que contemplam ou não pessoas por um mínimo detalhe. E esses espaços exclusivos e vales não precisam se transformar em vertente para se confirmarem como tal, eles já existem e estão dados nas suas relações, seja virtualmente ou na vida real, em universidades etc. 
Isso é algo tão simples que nem deveria ser um tópico nesse texto, pois o que se vê em relação as principais representantes do Feminismo Radical é dizer que as mulheres transexuais são “homens de saia” e que não fazem parte do feminismo. Se você for pegar o sentido prático desses dizeres, eles se transformam em pó, pois de nada ajudam a entender a transexualidade de uma forma social e de nada colaboram para a discussão de pautas importantes. Não existe diferença entre dizer que mulheres transexuais fazem parte do feminismo ou não fazem, pois de qualquer forma essas mulheres precisam se inteirar das discussões sobre o Patriarcado e precisam ter suas demandas atendidas. Não me parece nada materialista ficar dando voltas em torno de um conceito ou expulsando pessoas desse conceito apenas para se ter espaço em um lugar simplesmente metafórico, que é o Feminismo, pois ele não é um país, nem um vale e nem um lugar especial, ele é um movimento que está dado nas nossas relações com nossas camaradas, nas discussões, no Congresso, em palestras, enfim.

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