O
Radfem Analisado pelo Marxismo
Bom, esse é um texto introdutório sobre algumas
perspectivas em relação ao Feminismo Radical, alguns tópicos aqui vão ser
posteriormente estudados e especificados, para uma explicação mais
acadêmica, com referências e fontes. Espero que gostem! :)
Sobre o Gênero
É preciso entender, primeiramente, que o gênero, mais
necessariamente, a construção do gênero por divisão sexual do trabalho,
não começou no patriarcado e sim antes dele. Em algumas sociedades,
principalmente as de Caça e Coleta, a divisão do trabalho consistia em
deixar os homens com a caça e as mulheres com a coleta. Para Saffioti, isso não
consistia em desvalorizar o papel da mulher, pelo contrário, a autora diz o
seguinte: “Enquanto a coleta é certa, acontecendo cotidianamente, a caça é
incerta. Um grupo de homens pode voltar da caçada com um animal de grande
ou médio porte, provendo as necessidades de seu grupo, como pode voltar
sem nada. Logo, a atividade dos homens, realizada uma ou duas vezes por
semana, não é confiável em termos de produto. Já a das mulheres lhes
permite voltar a sua comunidade sempre com algumas raízes, folhas e frutos. A
rigor, então, a sobrevivência da humanidade, felizmente variando no tempo e no
espaço, com esta divisão sexual do trabalho (não se pode afirmar que todos
os povos hajam passado pelo estágio da caça e coleta), foi assegurada pelo
trabalho das mulheres.” Com isso, pode-se afirmar que o gênero nem sempre
serviu a interesses patriarcais, apenas depois da construção do
Patriarcado. Logo, o Patriarcado é o grande problema e o principal
alvo.
A maior prova disso é que a divisão sexual do trabalho
está sendo suprimida em alguns países, mas mesmo assim o machismo ainda é
muito presente. Se a divisão em si não é o problema, e sim a visão de que
um sexo é inferior ao outro, então por que abolir as características
sociais que circundam o sexo feminino acabaria com o problema? Se o problema
central está na visão do sexo feminino em si, as características sociais que envolvem
esse sexo biológico são secundárias e podem ser mudadas e reinventadas. Resumindo:
você tira o gênero, mas não tira o Patriarcado, então ele vai se reinventar e achar
outras maneiras para te oprimir. Poderia comparar, nesse caso, com o
Capitalismo. Botamos direitos para os proletários, aumentamos a qualidade
de vida, mas a exploração continua ali, reinventada e mascarada.
Sobre o Feminismo Radical versus o Marxismo
Para as Feministas Radicais, o gênero foi construído
pelo patriarcado para estabelecer relações opressivas entre homens e
mulheres, e por isso, gênero se constitui como uma classe, e essa vertente
se denomina oriunda do marxismo / materialismo histórico-dialético, o que
é falso. A diferença central é que na perspectiva radical a contradição central
da sociedade é entre os gêneros, homem e mulher, na busca pela superação
do "patriarcado". Ou seja, o grande inimigo do progresso da
humanidade seria o homem e o agente emancipador, a mulher. O centro dessa
perspectiva radical é a ideia de que a luta da mulher contra o homem deve
ser o motor da libertação social. É meio evidente como isso contraria diretamente
o marxismo e qualquer tentativa de fusão é como misturar água e óleo. Pois o marxismo
parte, primeiro, não de uma categoria quase supra-histórica, como a ideia de patriarcado,
como fator determinante da configuração social, mas sim o de modo de produção
(não que um seja contraditório ao outro - não é - mas me parece ser questão de grau
de importância e determinação de cada um). E, segundo, o conflito social que é
o motor da história para o marxismo é a luta entre as classes. Como está
escrito no Manifesto Comunista: "plebeus contra patrícios; escravos
contra senhores; servos contra barões; proletários contra burgueses".
Para o marxismo, a luta da classe trabalhadora contra a burguesia é a
contradição capaz de alavancar a libertação social. O fundamento da concepção
marxista de classe é a relação com a propriedade e a posição no processo produtivo.
Uma mulher ou um homem pode ter mais ou menos propriedade. Apesar do machismo
facilitar para homens e dificultar para mulheres esse acesso, não existe nada que,
em si mesmo, coloque a mulher ou o homem numa posição distinta diante da propriedade.
E a teoria de classes sociais no marxismo não possui função meramente contemplativa;
em busca de um "ser ou não ser" classe. Mas está subsidiada ao entendimento
da história de forma a fornecer estimativas e potencialidades que permitam a intervenção
no processo histórico.
Sobre Transexualidade e Socialização
Primeiro é necessário desmistificar a ideia de que
transexualidade está associada a Teoria Queer ou algum teórico específico. A
transexualidade não foi inventada por nenhuma teoria, ela é um fenômeno social
que está presente em todas as classes sociais e que pode ser estudado por
qualquer tipo de teoria, por qualquer vertente. É um fenômeno reconhecido
pela ciência, embora os estudos ainda sejam escassos para nos dar certeza
de sua origem. O que é de conhecimento geral hoje é que as pessoas trans
se ajustam culturalmente ao gênero por que é a única forma de aceitação
social presente no momento e que elas mudam seu sexo para se adequar a isso. Os
dados que temos é que existe mais mulheres transexuais do que homens
transexuais, e que é uma proporção de 1% a 2% no mundo inteiro. Embora
seja muito pouco, é um número significativo.
Ok, o que isso tudo significa? É que, embora seja algo
relativamente novo de ser estudado e seja um pequeno número, pessoas
transexuais são alvo da visão patriarcal que nossa sociedade tem, e os
dados estatísticos nos provam isso. Essa população, principalmente as mulheres
trans, estão fadadas a prostituição e a uma expectativa de vida baixíssima,
mais baixa do que as consideradas mulheres cis. Tudo isso em um mesmo
país. Uma visão verdadeiramente materialista da transexualidade é
considerar que, independentemente da visão biológica de que essas pessoas
naturalmente pertencem a um outro sexo quando nasceram, elas mudam seu
sexo e procuram se adequar a ele em termos sociais e de gênero, e que
considerar que essas pessoas são sim mulheres e merecem direitos de nada
atrapalha o entendimento de que o gênero moldado pelo Patriarcado é sim
opressivo, pelo contrário, é confirmar ainda mais isso, visto que essas pessoas,
estruturalmente, estão em uma condição de opressão preocupante. Falar nisso não
é falar em “privilégio cis”, até porque a palavra “privilégio” é mal utilizada
e não cabe aos estudos sociológicos sérios, falar nisso é apenas conhecer
que o Patriarcado é uma hidra de várias cabeças e age de diversas maneiras
complexas, não só através do gênero, mas da transexualidade e da
homossexualidade também.
Mas e a socialização? Bom, a socialização existe, mas
não é uma caixinha bônus que você recebe ao nascer homem, ou ao nascer com
a pele branca, é algo que as relações vão moldando e dinamizando, é uma
relação dialética. Resumindo: você nascer com duas ou três caixinhas bônus
(homem, hetero e branco) não te faz ter vantagens muito maiores se você
nasce em uma classe extremamente pobre, então você mal vai usufruir da sua caixinha,
ou nem vai, pois vai morrer antes de ter qualquer oportunidade melhor. No caso das
mulheres trans, é a mesma coisa. Elas de fato nasceram com um pênis, porém suas relações
com a sociedade, família e demais dinâmicas não dão qualquer vantagem, pelo contrário,
a bota em um grupo minoritário mais marginalizado ainda.
Sobre o lugar das Transexuais na militância
Com a popularização da militância nas redes sociais,
foram criando esses tais “espaços exclusivos” e os tais “vales das
minorias” que não passam de lugares metafóricos e sem sentido.
Uma questão trazida pelas Feministas Radicais é que as
mulheres trans precisam de outro espaço para discutir suas pautas, o que
não faz nenhum sentido prático. Se eu quero criar uma pauta para discussão
e quero apenas pessoas contempladas por aquelas pautas, isso vai envolver
muito mais que uma questão apenas de cis e trans. Por exemplo: se eu quero falar
de Violência Obstétrica para pessoas grávidas, eu procurarei apenas mulheres grávidas,
isso quer dizer que mesmo as mulheres que nasceram com o sexo feminino e são férteis
estarão de fora da minha discussão se elas não estiverem grávidas. Se eu quero discutir
estupro apenas com pessoas que foram estupradas, isso também vai incluir as mulheres
trans. Enfim, existe uma infinidade de estudos e pautas que contemplam ou não pessoas
por um mínimo detalhe. E esses espaços exclusivos e vales não precisam se transformar
em vertente para se confirmarem como tal, eles já existem e estão dados nas suas
relações, seja virtualmente ou na vida real, em universidades etc.
Isso é algo tão simples que nem deveria ser um tópico
nesse texto, pois o que se vê em relação as principais representantes do
Feminismo Radical é dizer que as mulheres transexuais são “homens de saia”
e que não fazem parte do feminismo. Se você for pegar o sentido prático
desses dizeres, eles se transformam em pó, pois de nada ajudam a entender a
transexualidade de uma forma social e de nada colaboram para a discussão de
pautas importantes. Não existe diferença entre dizer que mulheres transexuais
fazem parte do feminismo ou não fazem, pois de qualquer forma essas
mulheres precisam se inteirar das discussões sobre o Patriarcado e
precisam ter suas demandas atendidas. Não me parece nada materialista
ficar dando voltas em torno de um conceito ou expulsando pessoas desse conceito
apenas para se ter espaço em um lugar simplesmente metafórico, que é o Feminismo,
pois ele não é um país, nem um vale e nem um lugar especial, ele é um movimento
que está dado nas nossas relações com nossas camaradas, nas discussões, no Congresso,
em palestras, enfim.
Perfeito 💙
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