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A pauta contra a imposição dos padrões de beleza e a indústria capitalista da moda que tortura 99% das mulheres sempre é mencionada nos debates feministas, apesar da indústria ter encontrado nicho na "Representatividade", a sociedade não mudou, a protagonista da novela continua sendo a mocinha branca, magra, alta e de cabelão liso. Evelyn Reed, no seu livro Sexo contra sexo ou classe contra classe, faz uma análise pertinente e histórica sobre essa indústria.
Confira:
Cosmético e moda no comércio da beleza
As distinções de classe entre as mulheres
transcendem sua identidade como sexo. Isto é certo principalmente na sociedade
capitalista moderna, em que a polarização das forças sociais é mais forte.
Historicamente, a luta entre os sexos fez parte do
movimento feminista burguês do século passado. Tratava-se de um movimento
reformista, levado a cabo dentro do sistema, e não contra o mesmo. Foi, sem
dúvida, uma luta progressiva, uma vez que as mulheres se rebelaram contra o
domínio quase total do homem. Com o movimento feminista, as mulheres obtiveram
um número considerável de reformas. Mas aquele tipo de movimento feminista já
fez seu trabalho, alcançou seus objetivos limitados, e os problemas que se nos
apresentam devem ser situados no contexto da luta de classes.
A “questão feminina” pode ser resolvida somente com
a aliança dos homens e das mulheres trabalhadoras, contra os homens e as
mulheres que detém o poder. Isto significa que os interesses comuns dos
trabalhadores, como classe, são superiores aos das mulheres como sexo.
As
mulheres que pertencem à classe dominante têm exatamente o mesmo interesse na
conservação da sociedade capitalista que os seus maridos. As feministas
burguesas lutaram, entre outras coisas, pelo direito das mulheres terem
propriedades registradas em seu nome, e obtiveram este direito. Hoje, as
mulheres plutocratas possuem fabulosas riquezas registradas em seu nome. Sobre
temas políticos e sociais fundamentais, não simpatizaram nem se uniram com as
mulheres trabalhadoras, cujas necessidades podem ser satisfeitas somente com a
desaparição deste sistema. Por isto, a emancipação das mulheres trabalhadoras
não será obtida através de uma aliança com as mulheres da classe inimiga, mas sim
ao contrário, com uma luta contra elas, como parte de uma luta total contra o
capitalismo.
A intenção de identificar os interesses das mulheres como sexo
toma uma de suas formas mais insidiosas no campo da beleza feminina.
Surgiu o mito de que, já que todas as mulheres querem ser belas,
tem todas o mesmo interesse pelos cosméticos, pela moda, considerados hoje
indispensáveis para a beleza. Para sustentar esse mito, diz-se que o desejo de
beleza se deu em todas as épocas da história, e com todas as mulheres. Os
traficantes do campo da moda levantavam como testemunho disso o fato de que,
inclusive na sociedade primitiva, as mulheres pintavam e decoravam seu corpo.
Para destruir esta crença, vejamos rapidamente a história dos cosméticos da
moda.
Na sociedade primitiva, em que não existia a
disputa sexual, não eram necessários os cosméticos e a moda como subsídios
artificiais da beleza. Os corpos e os rostos, tanto dos homens, como das
mulheres, eram pintados e “decorados”, mas não por razões estéticas. Estes
costumes nasceram de distintas necessidades relacionadas com a vida primitiva e
com o trabalho.
Naquela época, qualquer indivíduo que pertencesse a
um grupo familiar, necessitava estar “marcado” como tal, segundo o sexo e a
idade. Estas “marcas” compreendiam não só ornamentos, anéis, braceletes, saias
curtas etc., mas também gravações, tatuagens, e outros tipos de decoração no
corpo, que indicavam não só o sexo do indivíduo, mas também a idade e o
trabalho dos membros da comunidade, à medida que passavam da infância à idade
madura e à velhice. Mais que decorações, estes sinais podem ser considerados
como uma forma primitiva de evidenciar a história da vida de cada indivíduo,
como atualmente nós fazemos com os álbuns de família. Uma vez que a sociedade primitiva
era comunitária, estes sinais marcavam também uma completa igualdade social.
Depois veio a sociedade de classes. As marcas,
símbolos de igualdade social, também foram transformadas em seu oposto.
Converteram-se em modelos e decorações, símbolos de desigualdade social,
expressão da divisão da sociedade entre ricos e pobres, entre governantes e
governados. Os cosméticos e a moda passaram a ser prerrogativas da
aristocracia.
Um exemplo concreto pode ser encontrado na Corte
francesa, antes da revolução. Entre os reis, os príncipes e a aristocracia
latifundiária, tanto os homens como as mulheres vestiam-se segundo o ditado
pela moda. Eram “dândis” com as caras pintadas, os cabelos empoados, cintos
coloridos, ornamentos de ouro e tudo o mais. Os dois sexos eram “belos” segundo
os modelos em voga. Mas ambos os sexos da classe dominante se distinguiam,
particularmente por seus cosméticos e suas roupas, dos camponeses pobres, que
suavam por eles na terra e que, certamente, não eram belos, segundo os mesmos
modelos. A moda naquele período foi símbolo de distinção de classe.
Mais tarde, quando os costumes burgueses
substituíram os feudais por diversas razões históricas, os homens deixaram o
campo da moda principalmente para as mulheres. Os homens de negócios afirmavam
sua posição social com a exibição de esposas enfeitadas, e abandonaram as
calças douradas e as faixas coloridas. Entre as mulheres, sem dúvida, a moda
ainda distinguia a Judy O'Grady(1) da
mulher de um coronel.
Com o desenvolvimento do capitalismo, produziu-se
uma enorme expansão da produção, e com ela a necessidade de um mercado de
massas. Já que as mulheres constituíam a metade da população, os capitalistas
começaram a explorar o campo da beleza feminina. Assim, o capítulo da moda saiu
do estreito marco dos ricos e se impôs a toda a população feminina.
Para corresponder às exigências deste setor
industrial, as distinções de classe foram suavizadas e escondidas sob a
identidade do sexo. Os agentes de publicidade difundiram a propaganda: todas as
mulheres querem ser belas, portanto todas as mulheres têm interesse por
cosméticos e moda. A moda se identificou com a beleza, venderam estes
acessíveis produtos de beleza na base de sua “necessidade” e “desejo” comum a
todas as mulheres.
Atualmente, o campo da beleza alimenta milhares de
indústrias: cosméticos, vestidos, perucas, produtos para emagrecer, jóias
verdadeiras e falsas etc. Viu-se que a beleza era uma fórmula muito flexível.
Tudo o que um empresário deveria fazer para ficar rico era descobrir um novo
produto e convencer as mulheres de que “tinham necessidade” dele e que o
“desejavam” (ver qualquer das campanhas de publicidade da Revlon).
Para manter e aumentar esta pechincha, faltava
propagandear outros mitos, em apoio aos capitalistas. São eles:
1.
Há séculos que as mulheres competem
umas com as outras para atrair sexualmente os homens. Isto é, virtualmente, uma
lei biológica, da qual nada escapa, e uma vez que sempre existiu e sempre
existirá, as mulheres se submetem ao seu destino, e estão em permanente
competição umas com as outras, no mercado capitalista do sexo.
2.
Na sociedade moderna, a beleza natural
das mulheres, na realidade não conta. Inclusive, insinua-se que a natureza
abandonou as mulheres no que diz respeito à sua beleza. Para recuperar a sua
falta de atrativos e suas deformações, devem recorrer a ajudas artificiais que
os gentis industriais colocam à sua disposição. Examinemos esta propaganda.
(1)
Referência a um poema de Rudyard Kipling
link para o livro completo https://www.dropbox.com/s/55tm7xc6ew54tia/Sexo-Contra-Sexo-ou-Classe-Contra-Classe%20%281%29.pdf?dl=0